Porque Andamos Nós a Desperdiçar Talento no Futebol?

21 de junho de 2017
Confesso que este artigo surge na sequência da não utilização de Bernardo Silva no jogo de estreia de Portugal na Taça das Confederações. Confesso que fiquei perplexo ao perceber que o jogador português que mais e melhor jogou ao longo de toda a época 2016/2017 (opinião pessoal assumida) não foi opção perante um México que quis sempre ter aquilo que Portugal, pela sua história e pelas características dos seus jogadores, deveria ter sempre e do qual nunca deveria abdicar: a Bola.
É a minha visão, claro está. Mas não vou falar de Ideias, Princípios e Modelos de Jogo. Nem sequer me vou deter na vã esperança de conseguir encontrar uma razão válida que me permita aceitar que Nani ou Moutinho tenham ido a jogo e Bernardo Silva não. Sou Treinador. Não tenho o currículo de Fernando Santos, não trabalho com os jogadores que estão ao serviço da Selecção, mas há coisas que são por demais evidentes. E uma delas é que Bernardo Silva é, actualmente, o maior talento futebolístico nacional!
Mas quantos mais Bernardo’s Silva’s existem por aí, espalhados um pouco por todo o nosso país, a passar por esta mesma situação? Por esta mesma falta de capacidade de proporcionar o devido enquadramento ao talento inato, ao talento divino, ao talento que se sobrepõe às questiúnculas técnico-tácticas e que, pasme-se, consegue ser útil à equipa ao mesmo tempo?
De uma forma muito sucinta (espero eu), eis que me proponho a apresentar quatro perspectivas que nos podem ajudar a compreender os porquês que justificam (mas não deveriam) o facto de muitos de nós andarmos a desperdiçar talento…


                                           A Perspectiva do Treinador


A meu ver, um Treinador pode desperdiçar talento essencialmente através de dois grandes erros de avaliação, seja em que Escalão de Formação for, podendo inclusivamente acontecer ao nível Sénior:

– Quando se depara com um talento inato muito acima da média, um Treinador pode querer ter aquela tendência castradora de o querer enquadrar, a todo o custo, no seu Modelo de Jogo. O que por vezes significa “obrigar” esse mesmo talento a fazer “piscinas”, campo acima e campo abaixo, acção que lhe vai retirar protagonismo no momento em que o talento é verdadeiramente necessário (no Momento Ofensivo, seja em Transição, seja em Ataque Organizado).
Se não houver um sistema de compensações devidamente trabalhado, que permita a este jogador ajudar nas tarefas defensivas, mas ter espaço para dar asas a toda a sua qualidade, este talento vai sentir-se retraído, “preso” e pode, a médio/longo prazo, perder a alegria de jogar Futebol.

– Mas há também o extremo oposto. O Treinador, sabedor de toda a qualidade daquele talento, pura e simplesmente abdica de o incluir nos Momentos Defensivos do jogo, situação que, a longo prazo, vai transformá-lo num incompreendido, num jogador à parte que se preocupa apenas em atacar. E todos sabemos o que isso pode originar: o jogador torna-se excessivamente individualista, os colegas tornam-se excessivamente críticos e, com o avançar da sua Formação (até chegar aos Seniores, com sorte), caso o talento não seja devidamente trabalhado, teremos um jogador que sabe fazer umas fintas, mas que é inconsequente e que não sabe o que é estar numa equipa de Futebol.
Poderia aqui incluir ainda as questões relacionadas com Treinadores que orientam as suas decisões em relação aos verdadeiros talentos de que dispõem consoante pressões/influências externas, nomeadamente, Pais e/ou Directores…mas quem faz isso não é nem pode ser considerado Treinador, portanto…


                                                        A Perspectiva dos Pais

Os Pais, no Futebol como na Vida, são os elementos mais úteis e fundamentais no crescimento das crianças, mas podem igualmente ser um enorme empecilho, caso não saibam ser nem estar enquanto Pais.
Basta que os Pais queiram que o seu filho se destaque mais do que os restantes colegas de equipa para que todo o processo de evolução do talento natural da criança comece a ser deturpado. Basta que os Pais queiram que o seu filho não seja Guarda-Redes, que seja o Avançado ou que não jogue na defesa para que as coisas não corram de feição. Começam aqui inúmeros problemas para todos: para o Treinador (que quer ajudar toda uma equipa a evoluir e não apenas o seu jogador mais talentoso), para o Clube (que pode vir a ser pressionado pelos Pais que pagam mensalidades e que, em alguns casos, são patrocinadores do próprio Clube) e, mais importante ainda, para a própria Criança (que, do nada, pode ver-se envolvida num problema que não foi causado por ela). 
Sendo natural querer que os filhos sejam os melhores em tudo aquilo que fazem, também deveria ser natural os Pais preocuparem-se em ensinar valores colectivos e de pertença às crianças, pois até mesmo o maior dos talentos futebolísticos faz parte de uma equipa. Pequenas observações como “o Messi e o Cristiano Ronaldo são os melhores, mas também fazem parte de uma equipa e não jogam sozinhos”, pequenos conselhos sobre como devem as crianças gerir os seus sentimentos quando jogam menos tempo do que o que queriam, por exemplo, deveriam fazer parte da Educação de todos os Pais cujos filhos/filhas são futebolistas.
Além disso, os Pais deveriam ter em mente que se os seus filhos forem realmente bons, o talento natural de cada um deles vai acabar por levá-los para os mais altos patamares do Futebol Nacional…


                                          A Perspectiva dos Atletas

Um jovem atleta nunca é a origem do problema, sejamos sinceros. Quaisquer birras, quaisquer manhas e quaisquer atitudes menos próprias terão sempre origem na Educação recebida em casa. Ou na falta dela.
Não obstante isso, a verdade é que o pequeno futebolista/a pequena futebolista pode vir a ser um entrave ao seu próprio crescimento, caso não consiga perceber que, em campo, seja em treino, seja em jogo, quem manda é o Treinador e que ninguém mais do que o Treinador quer o seu bem.
Obviamente que não é nem se afigura que venha a ser fácil. Por tudo o que já mencionei anteriormente e porque a Sociedade está cada vez mais egocêntrica e individualista. Mas os jovens atletas têm de começar a perceber que ninguém ganha nada sozinho e que só em conjunto se podem alcançar grandes resultados. Como podem eles começar a perceber isso? Cada Treinador a sua sentença, ou seja, cabe a cada Treinador procurar mecanismos que possam trazer as crianças ao seu encontro.
A Perspectiva dos Clubes 


Uma nota muito breve acerca deste ponto: os Clubes deveriam ser os maiores interessados no desenvolvimento dos grandes talentos presentes nos seus quadros. Alguns são…mas ainda há muitos que não o são. Ainda há muitos clubes que se deixam levar pelas relações de interesse entre Pais e Directores, resultando daí alguma interferência no trabalho dos Treinadores, a qual, em muitos casos, desemboca num conflitos de vontades e interesses que, acima de tudo, prejudica apenas a criança…

Em suma, como em tudo na Vida, pede-se bom senso e ponderação a todos os agentes desportivos ligados ao Futebol, seja ao nível da Formação, seja ao nível dos Seniores. Infelizmente bom senso e ponderação não se podem comprar nas mercearias e supermercados, mas podem ser praticados e exercitados. Dia-a-dia. A começar nas nossas próprias casas. 
Enquanto isso, espero que Bernardo Silva seja titular no próximo jogo. Por uma questão de bom senso, nada mais…

                                                         Laurindo Filho

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